Manoel Candeias Participa de Residência Artística na Áustria pelo Programa Culture Moves Europe
Como ocorreu essa seleção para o programa Culture Moves Europe?
Manoel Candeias: O programa abre chamada para artistas e profissionais da cultura de toda a União Europeia que queiram se candidatar com um projeto de mobilidade para outro país, nas áreas de música, literatura, arquitetura, artes performativas, patrimônio cultural, design, design de moda e artes visuais. Uma comissão contratada por eles avalia as propostas e as que tiverem melhor pontuação recebem o financiamento, oferecido pela União Europeia e pelo Goethe-Institut. Como atualmente tenho residência também em Portugal, pude me candidatar com um projeto de dois meses de trabalho junto a um centro de dramaturgia sediado em Viena, chamado Wiener Wortstätten. Para a minha alegria, o projeto foi aprovado e eu pude realizá-lo.
Poderia nos contar um pouco sobre a importância desse tipo de programa cultural e internacional para os dramaturgos contemporâneos?
Manoel Candeias: Entendo que quaisquer trocas de experiência e reflexões entre artistas são sempre muito importantes, porque ampliam o nosso olhar em diversos aspectos. A mobilidade internacional traz a possibilidade de fazermos isso com pessoas que atuam em contextos culturais diferentes do nosso. Isso é muito rico, tanto em termos estéticos e temáticos, quanto pela reflexão que possibilita sobre a situação do teatro e, nesse caso, mais especificamente da dramaturgia, nos diferentes contextos. O contraste entre os diferentes lugares nos ajuda a entender quem somos, quem é o outro e o que podemos pensar juntos, o que podemos ter de aprendizado dos dois lados, que tipo de ação pode ser adaptada, considerando as diferenças de cada meio, e assim por diante. Penso que seja importante entender qual tem sido o papel da dramaturgia nas diferentes sociedades, avaliar o que poderia ser feito de outra maneira em termos artísticos, em termos de produção, de política cultural, de mediação, para que haja um diálogo com um número maior de pessoas, com outras esferas sociais e assim por diante. Isso traz muitos ganhos para todas as partes e para o teatro, de modo geral. Pessoalmente, toda essa reflexão tem ainda interlocução com as minhas atividades de docência e de orientação de pesquisas no Célia, porque existem questões que atravessam tanto o fazer teatral de diferentes regiões do Brasil quanto de países europeus. É imprescindível considerar as diferenças sócio-histórico-políticas, econômicas e culturais entre os países (e suas regiões), mas mesmo com todas as nuances, o diálogo pode ser muito frutífero, ter respeito e aprendizado de todos os lados. Se a troca me leva a pensamentos que reverberam do lado de cá, o mesmo acontece com artistas internacionais com quem eu entro em contato, porque eu levo contribuições oriundas da experiência de teatro e dramaturgia do contexto brasileiro e, ainda que em menor medida, de Portugal.
Durante esses dois meses, você participou de encontros presenciais do Drama Lab e da Conferência Anual da Sociedade de Dramaturgia, como foram essas conversas?
Manoel Candeias: O Drama Lab é um programa do Wiener Wortstätten para apoiar o desenvolvimento de novos textos dramatúrgicos. Eles fazem um processo seletivo para chegar a um grupo, em geral de 5 pessoas, que desenvolve um texto durante cerca de nove meses, com financiamento, diversos encontros de tutoria, concluindo-se com leituras encenadas, publicação e com a encenação de uma das peças. Eu participei dos encontros presenciais de tutoria, no qual lemos as peças no estágio em que estavam e fizemos comentários e sugestões sobre os caminhos que as autoras e o autor da edição atual podem seguir na conclusão de seus textos. Foi um processo muito interessante! Por um lado, para conhecer as obras em desenvolvimento, escritas por um grupo de jovens de países diferentes, lidando com temas candentes, muitos deles ligados à diversidade, cada qual à sua maneira. Por outro lado, pude conhecer sobre o modo de trabalho do Wiener Wortstätten, ouvir as opiniões das dramaturgas e do dramaturgo que fazem a tutoria, e até trocar impressões, a partir das diferenças entre as nossas perspectivas, por sermos de realidades diferentes. Para além desse trabalho sobre os textos, a programação de quatro dias inclui idas ao teatro e acaba tendo muitos momentos de conversa livre. É quando as trocas se intensificam e se ampliam para outros temas.
A conferência da Sociedade de Dramaturgia (Dramaturgische Gesellschaft) é muito rica, porque envolve pessoas de diferentes regiões da Alemanha e da Áustria, para além de algumas de outros países, com propostas de trabalho bastante diversas. Existem temas que norteiam a conferência e que acabam sendo expandidos e complementados por outros temas, nas questões levantadas em sessões de perguntas e respostas, nas conversas que acontecem entre as atividades e assim por diante. Então, cria-se um panorama amplo de discussão e um ambiente extremamente favorável à troca de reflexões e de ideias de ação, bem como um estímulo para a troca de contatos, para que a aproximação com pares continue depois de terminados os quatro dias de encontro.
Outro ponto importante é que as pessoas que participam da conferência atuam nas mais diversas funções, como escrita de dramaturgia, produção teatral, direção artística de teatro, direção cênica, responsáveis por editoras que publicam dramaturgia contemporânea, agentes, performers, entre outras. Essa diversidade é muito positiva para que o temas debatidos sejam vistos por diferentes perspectivas do campo das artes da cena e para que dali surjam propostas de ações ou projetos em comum.
Como foi sua experiência? Qual atividade mais te marcou durante essa residência artística?
Manoel Candeias: Foi uma experiência importantíssima, que me trouxe um aprendizado que vai muito além da racionalidade, do intelecto, que já foi enorme. Sinto que quando adentramos uma realidade cultural, aprendemos com todos os sentidos. Com a atmosfera, com os modos de agir e estar das pessoas, com a sonoridade, com o solo… com aspectos que o corpo sente e processa, enfim, não apenas por vias racionais. Tudo isso parece abrir novos canais de percepção da realidade e, por consequência, de criação artística. Eu diria que não houve uma atividade específica a ser destacada, mas o fato de eu encontrar pessoas extremamente dispostas a acolher novos pontos de vista foi marcante. Participei em todos os encontros de modo muito mais integrado do que eu esperava, porque estava como um visitante, que vem de um contexto muito diferente e não seguirá naquela realidade deles. Percebi que as pessoas de fato procuram interlocução nessas situações e encontrei também um interesse muito grande em saber como são as experiências teatrais de Portugal e Brasil, que eu conheço melhor. O interesse pelo que acontece no teatro brasileiro não me surpreende, obviamente, mas o fato de essa troca acontecer naquele contexto bastante específico do fazer teatral dos países de língua alemã foi algo que me marcou de maneira positiva. Penso que isso seria algo a ser destacado, entre tantas coisas, assim como as conversas periódicas que eu tive com o Bernhard Studlar, diretor e um dos fundadores do Wiener Wortstätten. Encontramo-nos muitas vezes entre esses e outros eventos, para debater ideias teatrais ligadas ou não a tais eventos, quase sempre em algum café qualquer, bem à moda tradicional de Viena. Foi uma troca muito rica para nós dois. Seja onde for, penso que seja muito importante que nós, artistas, tenhamos momentos de reflexão conjunta sobre estética, modos de trabalho, sociedade, políticas para a cultura etc.Poderia contar sobre alguma experiência ou curiosidade que você descobriu/experienciou nesses encontros?
Manoel Candeias: Foram encontros que me abriram muitos horizontes, mas penso que um aspecto especialmente interessante a destacar é o fato de eu ter encontrado lá diversas inquietações semelhantes às que temos na sociedade e no teatro brasileiros, muito presentes inclusive nas minhas aulas na graduação e nas nossas pesquisas do mestrado e de Iniciação Científica.
O tema principal da conferência da DG (Dramaturgische Gesellschaft) era a relação entre humor e classe, questionando-nos de que modo e quais seriam os eventuais limites para o uso da comicidade como meio para lidar com temáticas relacionadas a classes e grupos sociais, sobretudo os não dominantes.
Adicionalmente, trazia um debate em torno da separação entre as ideias de “entretenimento” e “teatro sério”, um dilema que aparece muito também no teatro brasileiro, desde o século XIX até hoje, e que estudamos e debatemos nas aulas de História do Teatro Brasileiro, na graduação.
Penso que seja sempre muito proveitoso poder fazer comparações para identificar o que aproxima e o que separa cada contexto no modo de lidar com questões semelhantes. Isso ajuda a entender as especificidades de cada época e lugar, e a considerar os caminhos a serem seguidos em termos de criação, produção e de ações concretas, pensando no teatro e em sua relação com seu tempo e espaço sócio-histórico-político.
Outro ponto de conexão importante tem a ver com a busca por uma diversidade, por um reequilíbrio das desigualdades consagradas pela história. A maior parte das peças do Drama Lab, ou em cartaz em Viena, e muitos debates da conferência da DG (Dramaturgische Gesellschaft) procuram trazer à luz pontos de vista que sempre estiveram de alguma maneira à sombra (para usar um termo da Leda Maria Martins), em termos de diversidade de corpos. Foi importante observar como isso tem sido tratado artisticamente nos países de língua alemã, conhecendo, ao mesmo tempo, um pouco melhor sobre a estrutura do teatro feito em tais cenários. É imprescindível compreender as especificidades de cada contexto e relativizar os modos de cada lugar, mas quando o diálogo é interessado de ambos os lados, há, de fato, uma troca, não a sobreposição de uma cultura sobre a outra. Senti uma abertura muito grande, nesse sentido, em todas essas experiências. Isso contribui para um crescimento de ambos os lados da discussão e é fundamental, já que se tratam de questões que visam transformar nossa sociedade aqui e agora e que exigem de nós, portanto, uma revisão e um aprendizado constantes.
Como foi sua experiência? Qual atividade mais te marcou durante essa residência artística?
Manoel Candeias: Foi uma experiência importantíssima, que me trouxe um aprendizado que vai muito além da racionalidade, do intelecto, que já foi enorme. Sinto que quando adentramos uma realidade cultural, aprendemos com todos os sentidos. Com a atmosfera, com os modos de agir e estar das pessoas, com a sonoridade, com o solo… com aspectos que o corpo sente e processa, enfim, não apenas por vias racionais. Tudo isso parece abrir novos canais de percepção da realidade e, por consequência, de criação artística.
Eu diria que não houve uma atividade específica a ser destacada, mas o fato de eu encontrar pessoas extremamente dispostas a acolher novos pontos de vista foi marcante. Participei em todos os encontros de modo muito mais integrado do que eu esperava, porque estava como um visitante, que vem de um contexto muito diferente e não seguirá naquela realidade deles. Percebi que as pessoas de fato procuram interlocução nessas situações e encontrei também um interesse muito grande em saber como são as experiências teatrais de Portugal e Brasil, que eu conheço melhor.
O interesse pelo que acontece no teatro brasileiro não me surpreende, obviamente, mas o fato de essa troca acontecer naquele contexto bastante específico do fazer teatral dos países de língua alemã foi algo que me marcou de maneira positiva. Penso que isso seria algo a ser destacado, entre tantas coisas, assim como as conversas periódicas que eu tive com o Bernhard Studlar, diretor e um dos fundadores do Wiener Wortstätten. Encontramo-nos muitas vezes entre esses e outros eventos, para debater ideias teatrais ligadas ou não a tais eventos, quase sempre em algum café qualquer, bem à moda tradicional de Viena.
Foi uma troca muito rica para nós dois. Seja onde for, penso que seja muito importante que nós, artistas, tenhamos momentos de reflexão conjunta sobre estética, modos de trabalho, sociedade, políticas para a cultura etc. ◙